quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Peso.

nofood

 

 

Algo imutável. Desesperador. Manipulador. Inconsequente. Só o que ultimamente me vem à cabeça são esses tipos de adjetivo, todos relacionados a um só sujeito, que gostaria que fosse indeterminado: Meu peso. Nunca falei sobre isso aqui, pois ainda não acreditava – ou não queria acreditar – que era de suma importância. Mas agora pecebo que é. E muito além disso.

Hoje, ao encontrar com uma professora que não via desde o começo das férias, ela perguntou se eu havia engordado ou se estava fazendo musculação. Sim, eu sei que engordei. Muito em um tempo recorde. Porém, até o momento, ninguém me disse isso diretamente. Ouvir tais palavras foi, no mínimo, chocante, pois foi nesse momento em que um turbilhão de culpa e raiva passou em minha mente. Eu sabia que estava gordo – estou –, mas o fato de todos negarem e ninguém sequer falar, me fez acreditar que, talvez, estivesse exagerando um pouco. Quando percebi que tudo o que vejo – e odeio – é a mais simples e pura verdade, e não fruto de algum distúrbio relacionado à comida, meu mundo pareceu cair. Como sempre, não esboçei qualquer expressão, apenas confirmado a indagação com um sorriso torto, explicando que o fato se deu devido a um problema de saúde. Sim, eu realmente tenho tal problema, que inclusive faz engordar, porém somente eu sei que ele não é o culpado. EU, exclusivamente EU, sou o responsável pelo lastimável estado em que me encontro.

Falar sobre esse tipo de coisa é como estar enfiando diversas agulhas em meu corpo, sem parar. O impacto que tal situação causa em minha mente é tão grande que chega a ser estranho. Há um tempo, tive um sério problema envolvendo peso. Era gordo, bem gordo, e então decidi que não estava feliz com o que via. Aos poucos, fui começando a fazer uma reeducação alimentar, comendo pouco, mas de tudo, nos horários certos, e fazendo exercícios moderadamente. Ao perceber que algo estava mudando, e que EU estava gostando, decidi mudar um pouco os planos e pular para um nível mais avançado. Meu pouco de comida começava a se transformar em quase nada, meus exercícios moderados se transformaram em intensos. Sim, algo estava mudando. E, a cada dia, a auto estima que eu nem sabia que tinha começara a dar sinais de vida. Mas chegou um momento em que aquilo que eu via já não era o suficiente. Comecei a não estar contente com minha aparência, mesmo depois de tantos quilos perdidos. As pessoas diziam que estava pálido, com uma aparência doente, e meu rosto estava fino, muito fino. Todos aconselhavam – me a parar, dizendo que “assim estava bom”. Mas como acreditar nas pessoas, se as mesmas, quando eu ainda era criança, diziam que eu estava bem, mesmo quase entrando num nível grave de obesidade?

Impossível. Continuei ignorando as afirmações e as indagações. É claro que cada elogio sobre o quão bem eu estava depois do regime pisoteava cada mera afirmação de que deveria parar. Continuei. Até o dia em que tudo mudou. Ao ser obrigado a ir numa consulta ao psicológo, fui diagnosticado com começo de algo que eu não aceitava. Anorexia era algo distante. Só modelos a tinham. Diante de intensiva e cansativa pressão, aos poucos fui relaxando, começando a perceber que eu estava, sim, bem. Comecei a não viver mais para emagrecer, comecei a ver o peso como algo normal. As calorias antes contadas uma a uma foram, aos poucos, esquecidas.

Por um tempo controlei-me, comendo às vezes demais, mas depois lembrando a mim mesmo que esse tipo de coisa acontece. E, se caso engordasse, era simplesmente eu parar de comer novamente, que tudo se resolvia. Mas mudanças ocorreram. Escola nova, ambiente novo, início de trabalho. Minha vida e minha rotina mudaram drasticamente, e meu tempo foi varrido de tal forma que já não tinha mais tempo de me exercitar. As obrigações e responsabilidades foram tomando conta de minha mente, impedindo meu instinto de continuar a emagrecer de continuar, ser atuante. Não conseguia me privar de comer, quando tantos outros problemas rondavam meu cérebro. Parar de comer seria mais um, e sabia claramente que não aguentaria MAIS um problema. A cada choro, a cada riso. Tudo era motivo para descontar na comida. Se estava triste, comia demais, para apenas esquecer da vida. Quando estava feliz, comia, para comemorar a minha súbita felicidade. E o tempo foi passando. Passando. Passando.

Quando percebi e parei realmente para me analisar, fiquei sem forças para ver no que eu havia me tornado sem cair em lágrimas. Lágrimas essas que pareciam tão pesadas e amargas como eu. Tudo aquilo pelo que eu tinha lutado, todo o peso que eu havia perdido, todas as pessoas que enfrentei apenas para ficar bem comigo mesmo, haviam sido levados junto à enxurrada de lágrimas que estava derramando. E que viria a derramar. Só o que restara fora um idiota deprimido, gordo e sem um pingo de auto estima. Eu sabia que tinha que fazer algo. Mas não como da última vez. Se assim eu fizesse, tudo se repetiria de novo, como um ciclo. Então como fazer? Foram muitas as ideias, muitas as opiniões. Mas todas a longo prazo. Não, eu queria algo PRA JÁ, como da última vez. Não tinha mais coragem de encontrar com velhos amigos, pois o medo e o receio de comentários como o que primeiramente citei era grande. Se eu ouvisse algo do tipo, não teria como voltar ao mundo. Me trancaria em meu incolor, inodoro e insípido subconsciente, chorando até não ter mais forças. Por isso aos poucos fui me distanciando do mundo e, quando PRECISAVA sair, só o que pensava era de que forma poderia esconder as malditas gorduras, como poderia ao menos um pouco menos gordo do que estava. Como poderia parecer MENOS feio. Horroroso. E isso me desgastava ao extremo, pois olhava no espelho e via que nada do que eu fizesse adiantaria. Nada faria toda aquela ridicularidade sumir. Quem dera. Não conseguia pensar numa solução; Minha mente já estava sobrecarregada de problemas, dos quais não conseguia nem ao menos resolver. Não conseguia pensar em outra coisa. E quando tentava, o desespero e a indignação, a vergonha e o ódio tomavam conta de mim. Se tivesse me controlado, se não deixasse a comida decidir o meu humor, nada daquilo estaria acontecendo. Mas não. Comi, comi e comi. Por mais que me alimentasse bem, não muito tardar a fome voltava com toda força, ironicamente alimentada por raiva e frustações. Não dava. Não tenho estrutura. Se é um minuto de prazer que o comer me dar, por um minuto me farei feliz. Mas o problema é que, depois que o um minuto passava, os dias, os meses de tristeza vinham.

Quando alguém me diz que sou bonito, não sei se choro ou fujo. Já não consigo acreditar em ninguém. Não dá. Enquanto todos diziam, a cada dia, que eu estava BEM, eu ficava pior, pois indiretamente acreditava. Mas a cada dia ficava mais gordo. Bonito seria se tivesse se tivesse um rosto belo, ou uma barriga definida. Ou um corpo no qual eu pudesse, ao menos, usar uma camisa normal. SOU FÚTIL? SIM! Mas não há nada que eu possa fazer. Ou até haja, porém já não tenho forças suficiente para encontrar uma solução. Porque eu sei que não tenho beleza interna, mas ao perceber que a externa está pior, eu não seio como prosseguir. Chegar a esse ponto, de ouvir, finalmente, que NÃO, eu não estou bonito, e que SIM, estou gordo, muito gordo, é algo além do imaginável. Não consigo vestir uma simples camisa. Não posso me vestir da forma como gostaria porque não quero que as pessoas percebem O QUANTO engordei.  Parece que quando estou no meio das pessoas meu tamanho triplica, minha bochechas se tornam incomparáveis. Quando hoje, influenciado pela minha mãe de que não estou gordo, fui com uma camisa, a professora aparece e diz isso. Me sinto ainda pior por ter acreditado no que minha mãe disse. Por ter, POR UM SEGUNDO, mentido tão descaradamente para mim mesmo, quando a verdade, cruel e dolorosa, estava na minha frente, no espelho, gritando verdades na minha cara. Já não tenho para onde fugir. Nesse momento, enquanto escrevo, minha fome é enorme. E minha vergonha também. Covarde de enfrentar esse problema de frente, recorro à comida, apenas para escapar da encruzilhada. Quando alguém diz que melhor estar assim do que magérrimo, eu discordo. Eu preferia ver meus ossos saltando do que essas gorduras. Não, não sou demente nem maluco. Só um perdido, cansado e descontente. E quando alguém me critica por falar assim, é porque não sabe, nem de perto, a dor que é ser alguém que odeia.

Já perdi a força há tempos, mas ao ouvir a VERDADE, parece que… não sei nem descrever. Não há mais nada dentro de mim. Só um vazio, cheio de gordura, culpa e fome. Sou movido a comer, e é a comida que me mata internamente, aos poucos.